Zacarias Andias: o último dos raros
As gentes de Aveiro têm uma natureza anfíbia: não se saberá bem delimitar até hoje goteja a água da Ria no sangue que corre nas suas veias. Partiu um daqueles que vincadamente tinha essa natureza, Zacarias Sarrazola Andias. Partiu um daqueles que poderia dizer, como D. João Evangelista, «Eu nasci em Aveiro, ao que suponho na proa de alguma bateira. Fui baptizado à mesma hora, nas águas da nossa Ria».
Zacarias Andias nasceu efetivamente na Freguesia da Vera-Cruz e foi, como os da sua geração, educado junto às margens do Canal de São Roque, recebeu as primeiras letras nas ruínas da antiga Igreja da Vera-Cruz e cedo começou a labutar nas marinhas de sal. Foi marnoto alguns anos e nesses lugares abençoados de sal e de luz começou a remar. Aí a sua história foi igual a um punhado de aveirenses: provas vencidas de campeonatos nacionais e a representação portuguesa de remo nas Olimpíadas de 1952, a segunda que coube ao Clube dos Galitos. Era muito interessante observar a hierarquia desse punhado: João Dias de Sousa, bem-falante e de mais largos horizontes, Felisberto Fortes, líder incontestado, e Zacarias Andias, eternamente «o miúdo». De facto, com a sua boina infalível e o seu sorriso aberto, perpetuou uma juventude durante toda a vida.
Da marinha seguiu os rumos da vida como guarda-fios. Quando, volta e meia um barco do remo dos Galitos se abria, lá vinham os fios dos telefones que Mário Teles, outro remador, cerzia com a sua habilidade. Eram outros tempos, de sacrifícios e glórias. Contava, com mágoa: «Eu deixei o remo por isto: depois de virmos de Helsínquia, eu andei gripado. A minha mãe mandou-me cortar as amígdalas. Treinávamos muito cedo e depois de um dos treinos, por qualquer razão fui dos primeiros a ir tomar banho. Não havia água canalizada, usávamos água de um depósito, que nesse ano não foi lavado. Ao tomar banho naquela água fiquei com septicemia. Não remei mais».
Mas haveria de fazer muito mais por Aveiro. Com outros elementos da Liga Operária Católica, empreendeu uma sala de estudo para os jovens trabalhadores do ensino noturno, onde se situaram as capelas mortuárias da Santa Casa da Misericórdia. Depois do 25 de Abril tomou posição política e partidária: era e morreu um homem de esquerda. Trabalhava no Banco Nacional Ultramarino quando ajudou a empreender, com oposições e incompreensões, o Centro Social de Santa Joana Princesa.
Com a sua morte está agora completa a tripulação de shell de 8 que representou Portugal nas Olimpíadas e tantas vitórias alcançou para o Clube dos Galitos. E, a pouco e pouco, a Cidade assim perde mais um dos seus elementos de um tempo em que era «risonha e cantante», no dizer de Alberto Souto (avô). A essa cidade cabe zelar pela sua memória e merecer o legado perene de aveirenses como Zacarias Andias, o último dos raros.
A direção do Clube dos Galitos, convida todos os Galitos e aveirenses a estarem presentes nas exéquias fúnebres em memória do nosso Zacarias, que se realizarão amanhã dia 14, pelas 15h no Capela de S Gonçalinho.
E cantemos pelo Zacarias e pela tripulação de 1952 o nosso mais sentido
Canta, Canta … Galo.
A Direção do Clube dos Galitos
Texto de Nuno Gonçalo da Paula
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